terça-feira, 17 de maio de 2011

Aljube

Há meses deixei aqui a ideia de que talvez viesse a partilhar lembranças de tempos há muito passados. Não pensei mais nisso, confesso. A visita à Exposição no Aljube, " A Voz das Vítimas",  trouxe-me novamente à memória, e de que maneira, esses mesmos tempos...
Recuo a 1938, ano em que meu pai foi, mais uma vez, preso por oposição ao regime; passou uns meses no Forte da Trafaria, como militar que era. No dia 24 de Dezembro, véspera de Natal, tão celebrada pelo mesmo regime, foi transferido para a cadeia do Aljube, em virtude de ter sido demitido do Exército. O Aljube surge-me diferentemente do que se passara nas nossas visitas à Trafaria.Surge-me com janelas e portas de grades gordíssimas, as enormes e numerosas chaves dos carcereiros, as escadas que temos de subir até à sala da visita, tudo, e embora eu saiba bem as razões pelas quais o meu pai está preso, o que só me ajuda, tudo isso me pesa, entra nos meus sonhos, que são pesadelos.
Lembro-me que as visitas não eram amiudadas. Vivíamos no litoral do Alentejo, e as visitas não eram fáceis, por razões económicas. Quando vínhamos,trazíamos o possível e quase o impossível: uns mimos, guloseimas, os bolos de que ele mais gostava,ao mesmo tempo que roupas que era necesssário ir alternando. E nós, as mais miúdas, numa altura festiva, decidimos trazer à visita aquilo que, para nós, representava o que de mais carinhoso tínhamos: as nossas bonecas de celuloide, a quem arranjámos fatos novos, luxo a que nós próprias não nos podíamos dar.Vínhamos tão contentes! Entramos aqueles portões, casa de recepção em seguida, para deixar como de costume.as ditas encomendas, e...espanto! De mistura com o farnel, as mudas de roupa, os jornais, ficaram também as nossas "meninas", tudo para ser revistado. Acabada a visita fomos buscá-las. Voltaram ao nosso colo caminho do Alentejo, tão acabrunhadas, parecia-me, como nós próprias Foi-nos difícil entender tamanha minúcia... e ficou-me para o resto da vida um incidente de tão pouca importância. Recordo a saída das visitas do Aljube: os familiares em fila no passeio fronteiro, passeio muito  inclinado e escorregadio,  a tropeçarmos uns nos outros, porque todos queríamos andar e olhar para trás, a fazer ainda um adeus àqueles rostos que, serenamente, nos olhavam por detrás das gordas grades, acenando, tambem eles, conforme podiam (que as janelas eram poucas para tantos) até uma próxima visita.

domingo, 8 de maio de 2011

Lembranças

Como eu hoje compreendo bem a minha mãe, era eu uma jovem, quando ao fim de uma refeição, normalmente
ao jantar, a ouvia, mais do que a dizer, a pensar alto "fazia hoje anos o papá" ou "faz hoje anos que morreu ..."
e lembrava o filho, a filha, um irmão , um dos seus pais, amigos, quem a minha mãe tinha naquele dia mais presente que nunca. Eu comentava: só agora é que fala disso, passou o dia dorido, sem nos dizer nada? Podíamos ter ajudado... Ao que respondia: "quando se chega à minha idade", e ela não chegou à minha," todos os dias nos trazem à lembrança qq facto passado que nos marcou..." Hoje compreendo-a bem. Nem podia ser de outra maneira; uma vida de várias décadas enche-se de emoções, de sentimentos, de paixões e de dor também.Os dias não se repetem, mas as datas sim, tem de haver sobreposição de acontecimentos; misturam-se lágrimas com risos, boas com dolorosas lembranças, mas procuremos sempre valorizar o bom que se tem.
Procuro fazer por isso, também isso aprendi com a minha mãe, com ela, para quem a vida nem sempre  foi mto generosa.  Como posso eu fraquejar???

Sem resposta

Não sei o que dói  mais, se a ausência da presença, se a presença da ausência! Só sei que dói.